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Beatriz Capitulé-1.jpg

Onda de Choque, 2025

Wool on canvas, aluminum and nails

240 x 170 x 8 cm

Onda de Choque, 2025

Wool on canvas, aluminum and nails

240 x 170 x 8 cm

Beatriz Capitulé-2.jpg

Jackpot, 2025

Wool on canvas, aluminum and nails

185 x 148 x 6 cm

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Exhibition view 

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Exhibition view 

Sonho Turva a Villa, 2024

Wool on canvas

160 x 114 cm

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Limítrofe, 2025

Wool on canvas, aluminum and nails

190 x 220 x 8 cm

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Ligamentos Cruzados, 2025

Wool on canvas, aluminum and nails

100 x 490 x 3 cm

Credits: Bruno Lopes
Courtesy of ZDB

Um tiro. Drrrrrrhhh. Uma linha. Drrrrrrrhhhh.. Parecem disparos, numa só direcção. Gestos que atropelam as marcas no papel; mas após o primeiro disparo, uma nova fenda. Não nos enganemos. A Beatriz está mais uma vez a tentar encenar qualquer coisa, um novo território talvez, uma catástrofe que se dobra e se desdobra ao longo da exposição.

É o que acontece, não é? Olhamos um sedimento de decisões. O desenho — já um intervalo. Depois a edição, a manipulação, a sugestão de controlo. Mas o controlo escorrega.  E depois tens o acetato — um fantasma — outro intervalo que desaparecerá para se tornar qualquer coisa. Em constante movimento. No entanto fixam-se; estas pegadas não desaparecem. O trabalho está sempre a sugerir o seu próprio rasto e a tentar vislumbrar o passo seguinte. Vemos marcas, no presente, que confluem em temporalidades diferentes. 

 

 

 

 

 

 

Sim, refazer primeiro, e só depois fazer. Always different, always the same. 

 

 

 

 

 

 

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Parece-me, então, sempre um equilíbrio entre intenção e acidente, o intervalo entre a linha que é escolhida e a que se sobrepõe à anterior. As linhas fazem o que querem. Uma empurra a outra, que empurra a outra — traem a fonte. E é aí que chegamos — espectadores —, sempre atrasados. À procura de sinais, signos, de qualquer coisa, mas perdidos na abstração, empurrados de volta à tela e obrigados a olhar de novo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Enérgicos. Não são só as imagens, é também o que as permite. Ecrãs que denunciam um tal território, que emergem de algo que eles próprios criam; o seu lugar. Competem com a ordem de um rio de lava e, impacientes, movem-se de forma angular, colocando-se frente a frente com o que lhes é natural — o lugar do seu próximo destino. São matéria como o são as linhas de lã. Matéria expandida. Movimento perpétuo.

 

 

 

 

 

 

Repetições cadenciadas, talvez. É o resultado de um encosto que não desiste. Demora tempo, este aperto. Uma insistência que se dobra, como as rochas que colidem lentamente e formam curvaturas, novos traços. As perfurações da agulha no tecido, essas insistências, reencenam-se continuamente. Ou se calhar nem é uma catástrofe. Mas então o que olhamos, na verdade? 

 

 

 

 

 

 

Não sei se é bem assim. Talvez qualquer coisa a não ser feita, ou a ser desfeita. Qualquer coisa que se recusa a ser feita plenamente. Está-se sempre a interromper. 

 

 

 

 

 

 

Eu volto sempre às linhas. Como se revelassem alguma coisa. Procuram-se coisas, objectos. Mas nada se forma. As linhas dissolvem-se e diluem-se. Primeiro aparece o desenho, em papel e a grafite, às vezes a marcador ou a esferográfica, depois a manipulação digital, o acetato impresso, a retroprojecção, o redesenhar na tela com as dezenas de marcadores permanentes, e f inalmente a textura da lã, pressionada na tela.  É estratificado, o processo, demora. 

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Isso, e depois a projecção na tela, o gesto de voltar a desenhar, escavar novamente, não num processo nostálgico, mas de estratigrafia. Cada camada contém vestígios da anterior, recusando-se a clarificá-la.

 

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Sente-se isso no processo de tufting: é final, mas desgovernado. A lã recusa-se à obediência do desenho. Há sempre a ilusão de algo, não como se nos estivessem a mentir; é geológico, embora não ilustrativo. Não se trata de evocação imagens — vulcões, grutas ou cavernas —, mas sim da consciência de pressão, de um tornar-se matéria. O Roger Caillois 1 fala disso, sobre as pedras — como se estivessem a escrever, ou a inscrever determinada coisa, lentamente, sem o saberem.  

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Vêem-se pregos, vêem-se riscos de caneta; rasgos e restos. Cria-se uma tensão física que rasga a epiderme da tela, cria fissuras. Vê-se através dos engradados que acomodam gestos selvagens. Acomodam não… que demarcam gestos selvagens. Selvagens, não… hum… rupestres? 

 

 

 

 

 

 

 

São também eles selvag… enérgicos. Agem de forma a se fixarem. Tal como os minérios, nestas salas do 49, fazem-no em movimento. Crescelhes o corpo, ganham forma escultórica. São objectos no espaço. Contêm uma espécie de calor, uma fermentação algures. Não se trata de uma catástrofe num momento único, apocalíptico, mas num desenvolvimento geológico lento — transformação, compressão, fricção.

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Olhamos para as coisas em transformação, em frente.

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São deformações criadoras, desaterros da percepção e do processo, a imagem como uma entidade instável. É a abstracção como uma inteligência lenta e material. O compromisso com o inquietante e o inapreensível, uma prática estruturada numa forma de geologia estética, não só no motivo, mas para além disso; na transformação das obras num registo estratificado de pensamento, uma arquitectura do tempo e da pressão. 

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1.  Toma-se a liberdade de piscar o olho ao The Writing of Stones de Roger Caillois, livro de 1970, onde o sociólogo francês examina padrões revelados através do polimento de várias secções cortadas de minerais. 

Texto de João Francisco Reis e Rafael dos Santos

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